Por Gustavo Cunha, da FASE – 18/06/2012
Se na década de 1940, o compositor Herivelto Martins lamentava a demolição da Praça Onze – um dos principais redutos da cultura negra no Rio de Janeiro –, em 2012, moradores da primeira favela carioca manifestam indignação com os processos de remoção. Em menos de um ano, o Morro da Favela – mais conhecido como Providência – sofreu significativas transformações, frutos do modelo urbano imposto com vistas à Copa e às Olimpíadas.
Pressionadas pelo governo, dezenas de famílias já deixaram a região. A Praça Américo Brum, única área de lazer do local, onde crianças costumavam se divertir, é hoje um barulhento canteiro de obras. Acolherá uma das futuras estações de teleférico, previstas no Projeto Porto Maravilha. A campanha publicitária nos diz que está em gestão uma “revitalização”. A dúvida é: “revitalizar”? Quer dizer que não tem vida? Ou que será preciso tirar a vida existente para colocar outra?
Leia o “Manifesto da Ciranda da Resistência dos excluídos do desenvolvimento sustentável”
Moradores se organizam em Ciranda de Resistência
No segundo dia da Cúpula dos Povos, moradores do Morro da Providência e das comunidades do Arroio Pavuna e da Vila Autódromo se reuniram para discutir alternativas às políticas urbanas – associadas aos empreendimentos privados – que se multiplicam pela cidade. A Ciranda da Resistência se apresentou como momento de articulação das diferentes forças presentes no local – ainda muito frágeis, segundo relatos de alguns moradores. Organizada pelo Fórum Comunitário do Porto e moradores do Arroio Pavuna e da Vila Autódromo, na Zona Oeste, a atividade apresentou a favela como importante laboratório de soluções para modos de vida mais justos, solidários e sustentáveis.
O que vimos pela rua nos remetem a semelhanças históricas anteriores ao século XX. Em 1808, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, famílias foram expulsas dos locais onde moravam para que suas casas se transformassem em lar da nobreza européia que aportava. O aviso, simples e objetivo: marcações de “P.R.” (“Príncipe Regente”) nas portas escolhidas.
Mais de um século depois, no Morro da Providência, é impossível contar nos dedos a quantidade de portas marcadas com a sigla “SMH”. Essa foi a maneira encontrada pela Secretaria Municipal de Habitação (SMH) para noticiar quem deveria deixar a região. Não houve nenhuma assembléia prévia com os moradores. “Eles simplesmente marcaram”, relatou Roberto Marinho, morador com a porta pixada pela prefeitura.
Manutenção da cultura é parte da Luta
Na quadra do Instituto Central do Povo (ICP), cartazes – pendurados pela grades –, feitos por próprios moradores, denunciavam as perversidades postas em prática nas comunidades. Em uma grande roda, moradores, pesquisadores e pessoas interessadas no assunto debatiam o direito à cultura e à memória social da região portuária.
A apresentação do grupo Afoxé Filhos de Gandhi reafirmou a importância do local para a história da cultura negra. Para Carlos Machado, um dos integrantes do grupo, “a história do Brasil não pode ser contada sem se mencionar a região”. Mercedes Guimarães, do Instituto Pretos Novos, ressaltou: “precisamos resgatar e resistir com essa memória, uniformizando as ações e articulando os movimentos que atuam aqui de diferentes maneiras”.
A Providência como exemplo do que passa na cidade
Moradores das comunidades Arroio Pavuna e Vila Autódromo revelaram a semelhança entre as problemáticas de cada região. Ficou muito claro o fato de que a solução para os problemas postos em pauta pela Rio+20 estão mesmo em práticas já realizadas pelos povos, desassociadas do mercado. Também foi possível compreender que as lutas territoriais devem se unificar em um movimento popular conjunto, daqueles que constituem parte majoritária da cidade.
“Devemos pensar em um projeto de cidade que acolha todos e todas, e que dê resposta ao que nós – de fato – precisamos. Somos nós, moradores de comunidades, que precisamos tomar essa tarefa”, afirmou Maria Lúcia de Pontes, representante do Fórum Justiça, em debate final sobre o direito à cidade. Para a defensora pública, a produção da cidade desassociada à lógica do mercado apenas vingará se os próprios moradores tomarem consciência do poder de resistência. “Devemos despertar isso nas pessoas: que cidade nós queremos produzir?, que projeto de cidade nós queremos construir?”.
Para acessar a notícia: http://fase.org.br/v2/pagina.php?id=3708
Clipping da Ciranda:
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